23.12.11

HOMEM-ANIMAL! É tão bom quanto parece?

Um pouco da mitologia e das lendas de Buddy Baker.

"Criado por David Wood em 1965, fez sua primeira aparição em Strange Adventures #180. Bernhard Baker era um jovem punk, que após uma caçada nas Montanhas Adirondack percebeu que havia ganho super poderes. Ele poderia mimetizar as habilidades de qualquer animal. História legal, não? A DC e o publico não acharam, e o jovem punk ficou na sombra dos grandes personagens nos anos 60 e 70, caindo no grande grupo “Heróis Esquecidos”, e realmente esquecido. O background criado parecia interessante, embora mal aproveitado. Era um cara com poderes no meio de muitos outros. Chances de dar certo? Talvez, mas não nos anos 60."

Grant Morrison e Deus ex Machina.

Podemos pular muita coisa, muitos momentos das HQs podem ser relevados. Grant Morrison tomou frente da série que foi relançada em 1988. O talento do escocês frente a uma HQ pode ser provado com maestria durante as vinte e seis edições que escreveu. Bernhard ‘Buddy’ Baker era imaturo, com histórias imaturas, e assim foi retratado. Ao conhecer a mulher de sua vida, Sr. Ellen Baker, ele aposentou o uniforme e tornou-se um pai de família. Mudaram-se para a California, vivendo com o salário de ilustradora de Ellen, e as glórias de Buddy em Hollywood como dublê. Juntos tiveram dois filhos (Cliff e Maxine), e anos depois a vontade em ser um herói retornou forte. A origem de seus poderes foi recontada, como uma abdução alienígena e reconstrução corporal; após os testes de outro mundo (risos), ele adquiriu seus poderes.

O grande marco desse personagem, e muito bem explorado por Morrison, vai ao contrário do que nos acostumamos a ver em heróis ícones. Órfãos, ou solteiros. Em poucos casos, homens casados, porém, levando a vida de herói como a principal. Buddy voltou à sua rotina de herói sendo um pai de família, o que dava um panorama muito diferente para o publico acostumado aos clássicos. De certa forma, Homem-Animal tornou-se um clássico. Após retirar um gato de uma árvore, Buddy decide que voltará a treinar, e que seu objetivo será entrar para a Liga da Justiça! Seu treinamento é realizado com a esposa ao lado. Ela o ajuda com o que pode, e a cumplicidade dos dois nos mostra que nem todo herói precisa se afastar de contatos sociais para fazer sucesso. Temos uma grande ironia aos clichês feita pelo próprio Buddy quanto ao uniforme colante. Esse foi seu último passo, o uniforme, e preferiu utilizar uma jaqueta de couro por achar colantes ridículos. Relendo isso hoje, num mundo onde a redefinição visual da DC pareceu monstruosa arranca risadas de qualquer um.

As histórias tomam um rumo curioso, diferente, e muito atrativo. O terrorismo animal é um dos itens mais abordados por Morrison, colocando Buddy contra vilões baseados em caçadores, cientistas genéticos que usam animais como cobaias e afins. O que vemos ao longo de algumas histórias, acaba sendo um conteúdo maçante. Felizmente, no epílogo da série, os sermões constantes dados ao decorrer de algumas edições tem sua explicação no melhor estilo de Grant Morrison.

Passadas as vinte e seis edições, Buddy conseguiu seu lugar na Liga da Justiça, sendo membro efetivo da divisão européia. Aliás, é hilário rever a cena onde sua casa é destruída, e Ajax é designado para cobrir os custos. O último arco de histórias, iniciado após a edição 20, tornou-se um dos mais marcantes de toda a cronologia DCnauta, e do universo dos quadrinhos.

As ameaças de um grupo de mercenários foram cumpridas, e Ellen, Cliff e Maxine morrem. Buddy vê sua família morta, e, bom, o clichê de “caçar o responsável até o fim do mundo” é bem válido. Buddy parte para lugares ainda inimagináveis, e acaba indo além. Dimensões e parâmetros temporais novos, e o Limbo. Assim surge a teoria de Deus ex Machina em “Homem-Animal”, impondo um nível ainda maior do que o reles aventuresco. Buddy atravessa o Limbo, e ao final dele, encontra ninguém menos que o próprio Grant Morrison. Ele buscava o responsável pela morte de sua família, e não encontrou um contratante, um líder mafioso ou um terrorista, mas sim o homem que escreveu essa história.

- O que vocês fazem em um mundo sem super-heróis?

- Nós damos um jeito. ”

Nesse último arco encontramos três paradoxos. O primeiro é o elo religioso. E se a vida for assim? Se nossos passos a cada dia forem simplesmente escritos por alguém que... simplesmente pode fazer isso? E se nossa vida não tem sentido, mas nos apegamos a ela, seguimos adiante, mesmo que nenhuma vontade exista? Uma das portas abertas em Deus Ex Machina meche com esse parâmetro religioso criacionista, de que um deus criou tudo e todos e ainda brinca de fantoches do além. O segundo paradoxo é o da força de vontade de Buddy. Ele é essencialmente um pacifista, e Morrison diz que essa mudança trágica (a morte de sua família) foi feita para compensar os capítulos maçantes e os sermões. O Homem-Animal o repreende, dizendo que não acha isso. Buddy pode possuir poderes fenomenais, o permitindo peitar um Superman, mas não foi feito para a guerra. Isso fica claro. Ele é um pai de família que tem poderes, e quer usá-los para fazer o bem, não necessariamente espancar assaltantes em becos escuros. O último, vem do ponto de vista. Geralmente, na maioria dos casos, nos acostumamos a ler uma história em terceira pessoa, na nossa perspectiva e na perspectiva de quem a escreveu. Em Deus Ex Machina, temos três: a nossa, a de Morrison, e a de Buddy, e não há uma ideal a seguir. Vemos que postos frente a frente, criador e criação tem ideais, opiniões, e que estas divergem. Essa saga excepcional se encerra como começou, com o vazio. Um piscar de olhos e Buddy está em casa, novamente com sua esposa e filhos. Ele chora de felicidade e não sabe porque. Os últimos quadros mostram Morrison por trás da trama, escrevendo cada ação ocorrida.

Após o período referencial de Morrison, a HQ sofreu altos e baixos, sendo que grande parte dos altos ocorreram graças à Tom Veich e Steve Dillon, respectivos escritor e artista. Desde o período de Morrison, as capas contaram com as ilustrações exímias do grande Brian Bolland.

Novos 52, Reboot e a genialidade de Lemire.

Desconfiança, essa foi a palavra chave para o relançamento do Homem-Animal em 2011. A primeira imagem remetia à algo distante do que Morrison nos mostrou à anos. Logo que a HQ foi anunciada, apenas a capa (imagem ao lado) da primeira edição foi liberada, sem mais conteúdo ou descrição relacionada. A temática jovial e alegre deu lugar à um Buddy chorando sangue. Após os tumultuados anos 90, o selo “Rob Liefeld de qualidade”, histórias péssimas e iniciativas piores ainda, o medo do conceito do personagem acabar perdido foi enorme. Felizmente, a estréia de Jeff Lemire foi um tapa na cara, e dos bons. O contraste mudou para algo mais surreal, sobrenatural de certa forma. Aventura virou suspense, e foi ótimo.

A primeira temporada ainda não acabou, está na edição 4 e vai até a 6, mas podemos falar bastante sobre o trabalho da dupla Lemire/Foreman.

A narrativa gira em torno dos poderes de Buddy. Deixei para falar disso aqui, pois cabe de um modo mais coeso. Buddy pode mimetizar as habilidades naturais de qualquer animail, porém, nos primórdios de suas histórias, isso só ocorria com animais quais ele estivesse próximo, e por tempo limitado. Com o passar do tempo, ele tornou-se capazde acessar a chamada “Teia da Vida”, uma espécie de dimensão onde todos os animais estavam conectados. De lá, ele extraia os poderes que precisava, no momento em que precisasse.

Ainda nos tempos do Morrison, temos a afirmativa de que Buddy prefere paz à luta, e larga o posto de super-herói para se tornar um ativista ambiental. Ao mesmo tempo, evolui o cargo de dublê e estréia seu primeiro filme. Dadas todas as referências, Lemire parece ter dado uma sequencia direta ao Homem-Animal de Grant Morrison. Ainda na selva de asfalto, vemos a relação divertida entre Bernhard e sua família, a cumplicidade com a esposa, os dramas do filho mais velho (e que segue seu visual punk), e a teimosia de Maxine, que acaba sendo o centro da nova saga. Ela quer um mascote, e Buddy não. Apesar de ser o Homem-Animal, a presença cotidiana com um único animal afeta sua relação com a Teia da Vida.

Apesar de não agir mais como um herói, Buddy intervém em alguns casos, e logo na primeira HQ enfrenta um furioso homem armado que seqüestra um andar no hospital infantil. Ele perdeu a filha e entrou num surto psicótico, e o primeiro fato é que Buddy se vê em seu lugar, pensa no que se tornaria caso perdesse sua família, seus filhos. Uma genial referência à Deus Ex Machina, onde sabemos o que aconteceria. Resgatar esse personagem, nesse contexto, e nos dias atuais me pareceu uma cutucada legal na Marvel Comics, pois a DC triunfou com um personagem representando o que o Homem-Aranha deveria ser caso não houvesse pacto com o diabo. A capa mostrando Buddy chorando sangue vai além de um caça-níquel, e tem um significado quase poético. Logo na segunda ocorrência, Buddy derrama as lágrimas de sangue diante da família, após Maxine demonstrar poderes similares aos do pai, embora visivelmente superiores. O sangue deixa marcas, que se unem como um mapa que só ela pode decifrar. A aventura dá lugar ao mistério, e como qualquer homem de meia idade, Bernhard se espanta, e sente medo, afinal é sua filha quem torna-se o centro do furacão. Através das palavras de Maxine descobrimos que a Teia da Vida não é uma dimensão, mas um lugar, dentro da Árvore da Vida. Alguém decidiu matar essa árvore, e se ela morrer, toda a vida animal irá junto.

A seguir, deixo o mistério no ar. Ao fim da primeira temporada, após o lançamento da sexta edição trarei uma resenha completa da saga. O foco do post foi apresentar um personagem longe dos holofotes no Brasil, mas que possui uma carga histórica de extrema importância para os quadrinhos. O Homem-Animal é um dos meus personagens preferidos, e apresenta a mensagem de que não é necessário ser colegial e nerd para trair a identificação de um público jovem. Homem-Animal tem recebido notas extremas em todas as resenhas referentes aos Novos 52, e com grandes chances será a melhor HQ do tão aclamado reboot.

- We must be over the rainbow.

8 comentários:

  1. Muito bom esse texto; tem, digamos que, alma.
    Parabéns!

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  2. Obrigado Alex Silva, nossos redatores só querem que o público fiquem satisfeito com nossas notícias

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  3. da hora o post, pena que ta meio grande!!

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  4. Eu confesso que conhecia muito pouco do Homem-animal e apesar de tê-lo visto em algumas revistas da Liga, não era um personagem que me interessava até esse Relaunch da DC com os novos 52.
    Enfim, que bom que souberam reaproveitar o personagem.
    Post excelente, continue o bom trabalho! E se possível, faça algo sobre a Mulher Maravilha :B

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  5. Caraca! Eu não conhecia absolutamente nada dessa personagem. Acho ótimo heróis que trabalham junto com a esposa, não me recordo de nenhum que seja como o Homem Animal. Não tem trajédia na vida dele, todo herói tem trajédia em sua vida. Jaqueta como uniforme é firme, melhor que cueca por cima da calça capa.

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  6. Eu também conhecia bem pouco do Homem-animal, mas com essa crítica, até deu uma vontade de ler assim. Ótimo post, mano! Bom demais, parabéns.

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