Primeira parte da análise da série de Frank Miller, que trouxe o Morcego novamente ao posto mais alto. Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns) é considerada por muitos a melhor história do Cruzado de Capa,
por outros a segunda melhor, sempre numa rivalidade extrema com outro clássico
indiscutível chamado “Ano Um”. Cavaleiro das Trevas nos apresenta um Batman
envelhecido, e fora de sua forma física ideal, mas que mantém o mesmo objetivo
de seu juramento aos oito anos de idade: a justiça. Complementando ao roteiro, a arte pontual de Klaus Janson não decepciona, e assim como Mazuchelli em "Ano Um", consegue nos fazer "sentir" a cidade de Gotham, como se ela fosse de fato uma criatura viva gritando por ajuda. O texto a seguir contém spoilers.
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CAVALEIRO DAS TREVAS
Frank Miller sempre alcançou altos extremos com o Morcego, e
Cavaleiro das Trevas é uma amostra indiscutível A HQ se inicia com um Bruce Wayne
envelhecido, e aposentado. Há dez anos o manto do morcego não é vestido, e o
crime em Gotham não mais sofre com a presença de seu guardião. A maior motivação encontrada nas entrelinhas
da historia para justificar a aposentadoria do Morcego foi a morte de seu
parceiro, Robin. Jason Todd foi assassinado pelo Coringa na saga “Uma Morte na
Família”, e uma linha temporal alternativa mostra um Bruce Wayne desacreditado
na justiça, que prefere desistir. Nesse meio tempo, Bruce adquire um bigode, e
chega a disputar grandes prêmios de automobilismo. O contato com Dick Grayson, primeiro Robin e antigo Asa Noturna também desaparece. Alfed segue sendo seu braço
direito, embora não precise mais por seus conhecimentos médicos em prática
removendo balas e suturando cortes. É verão em Gotham, e Jim Gordon anuncia sua
aposentadoria. Ele está a quatro semanas de aposentar o distintivo. Ao mesmo
tempo, uma onda de crimes intermitente assola a cidade. Um grupo brutal chamado
de “Mutantes” espalha o terror e o medo pela cidade. A relação em Batman e o
Comissário Gordon parece mais próxima, e o veterano policial sabe que o Cruzado
é Bruce Wayne, e brindam à ele. Dez anos sem Batman, dez anos que Wayne
sobreviveu sem fazer aquilo que por anos deu sentido à sua vida. Outro detalhe
menor é que Bruce agora bebe, fato não ocorrido antes. O próprio Wayne se
define como um cadáver vivo, como se o fim do Batman fosse o fim de sua vida, e
esses dez anos fossem um tempo perdido.
Bruce e Gordon brindam ao décimo ano sem o Batman. |
Muita coisa mudou em Gotham. Sabemos que Harvey Dent, o
mítico Duas-Caras sofreu uma cirurgia plástica, e tanto a ambígua personalidade
quanto a deformação desparecem. Quem financia o tratamento é o filantropo Bruce
Wayne. O Coringa segue preso, e vemos uma cena nada peculiar: ele está triste.
Batman faz falta. Bruce tem pesadelos com sua infância por várias noites, e faz
algo pela primeira vez em anos, ele visita a Batcaverna. Vemos Bruce assistindo à Máscara do Zorro,
como em Ano Um, e novamente as lembranças da infância e seu trauma retornam.
Ele percebe o que Gotham se tornou sem ele. A cena de sua iniciativa ao manto
do morcego é épica, tanto quanto a apresentada em Ano Um, onde um morcego pousa
sobre o busto de Thomas Wayne, seu pai. Perdido em lembranças e pensamentos em
seu escritório, Bruce verifica as chamadas da secretária eletrônica... ouvimos
agradecimentos de Harvey Dent, uma mensagem de Clark Kent, um pedido caridoso
de uma quente compania de Selina Kyle...
e novamente um morcego vem ao seu encontro, quebrando um dos vidros da
janela e vindo adentro.
A HQ se passa no verão, e uma de suas características são as
fortes tempestades. Ao fim do dia, o céu torna-se negro, e raios cortam o
horizonte. Uma tempestade chegando é descrita pelo repórter responsável como a
fúria de Deus em pessoa. Em seguida, um blecaute. Durante esse blecaute, vemos
um estuprador ter um dos braços rasgado com batarangues, um assaltante ser
“quebrado” contra um taxi e o dinheiro devolvido. Também somos apresentados à
Carrie, uma jovem que terá um papel crucial no desenrolar da história. Ela e
uma amiga escondem-se num árcade (loja de jogos com fliperama), e são atacadas
por um integrante da gangue dos Mutantes, antagonistas majoritários do primeiro
grande arco da saga. Ao descer o braço contra elas, ele sente dor, e a marca do
morcego se apresenta ao perfurá-lo. Vemos brutalidade, sangue e ossos quebrados
nessas investidas noturnas. Ao retorno da luz à cidade, o espanto dos
repórteres é imenso ao anunciarem que relatos do retorno do Batman foram
apresentados. Após dez anos, o Cruzado de Capa tornou-se uma verdadeira lenda na
cidade. A seguir, vemos Batman agindo mais claramente, em cenas diretas. Ele
está muito mais brutal do que o que os leitores e habituaram a ver. Quebrando
ossos, estrangulando capangas, e lançando-os em quedas que poderiam ser
mortais. É um Batman compensando anos em uma noite, como um novo vigilante
eufórico. No dia seguinte, Coringa sorri ao assistir ao noticiário e murmurar o
nome do eterno rival.
O Coringa volta a sorrir. |
Batman seguindo para a cena do crime. Ele usa armas? pãpãpãpã... |
O primeiro inimigo a ser confrontado é o Duas-Caras. Mesmo
após o tratamento, a clássica moeda de Harvey é encontrada em uma das cenas do
crime do blecaute, e Batman segue pistas. Uma cena clássica é vista novamente,
Batman encontra-se novamente com o Comissário Gordon abaixo do Batsinal. O clima clássico das "histórias de detetive" protagonizadas pelo Cruzado de Capa está lá de um modo extremo. A narrativa até aqui foi tão bem construída, que ao ler a HQ o leitor realmente consegue sentir como se o Batman tivesse deixado de existir por dez anos. O clima trazido ao vermos Batman e Gordon sobre a delegacia novamente trás uma nostalgia fascinante. Um
atentado planejado por Harvey atrai Batman, e o confronto acaba rápido. Apesar
dos anos perdidos, e da forma física menos apurada, Wayne sempre será um páreo
duro. O visual apresentado por Harvey com o rosto coberto por ataduras remete à
um vilão mais contemporâneo, Tommy Elliot, o Silêncio (Hush, originalmente). Seu
rosto voltou ao que era antes, mas os danos em sua alma e em sua consciência
serão irreversíveis. Harvey Dent é o tipo de vilão que a grande massa conhece superficialmente, mas pouco sabe a seu respeito. Uma leitura da saga "Longo Dia das Bruxas", de Jeph Loeb apresenta Harvey como um co-protagonista, e define bem sua relação de pseudo-amizade com o Batman no departamento policial. Suas palavras nessa luta, dizendo que "os dois lados estão iguais, e agora ninguém mais ri" não referia-se ao rosto sem cicatrizes e marcas, mas sim ao fato das cicatrizes adquiridas pelo ácido derramado por um criminoso vingativo terem corrompido seu interior. O que é visto conceitualmente, é um rosto completamente desfigurado, tal como a mente de Harvey. Em poucas páginas um dejavu de história remete à pontos chave da história construída entre o antigo promotor de justiça e o vigilante mascarado. O que sobrou foi um reflexo de Harvey, um único rosto destruído. O primeiro capítulo da grande saga se encerra com o
triunfo do Morcego, porém, a vitória teria mesmo valido a pena? O retorno do Duas-Caras apenas significou que Dent não teve cura, e que no fim a batalha por sua reabilitação foi perdida. Como conclusão da primeira parte, podemos citar
que Bruce não retornou ao manto do morcego apenas porque a cidade precisava
dele. Somos apresentados à um Bruce Wayne que realmente precisa ser o Batman,
pois o Cruzado de Capa nunca foi a máscara, mas sim a verdadeira face.
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Essa foi a primeira parte da análise da história que já se tornou uma lenda na mitologia do Homem-Morcego. O assunto abordado foi o retorno do Arquiteto do Medo de Gotham, e suas motivações. Desde os primórdios do que conhecemos sobre o Batman, a ideia de que Bruce Wayne, o bilionário é a máscara criada para esconder ao Cruzado, o guardião de Gotham. Partindo-se desse ponto de vista, o fim do Batman significa o fim de Bruce Wayne.
Parte 2: " http://blasterlizard.blogspot.com/2011/12/batman-cavaleiro-das-trevas-segunda.html "
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